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Estudos mostram descompasso entre normativas vigentes e reais demandas das pessoas surdas ao consumirem a cultura audiovisual

 

SÃO CARLOS/SP - No Brasil, hoje, são obrigatórios três recursos de acessibilidade em produções audiovisuais: legendagem e janela de interpretação em Língua Brasileira de Sinais (Libras) para pessoas surdas e ensurdecidas e audiodescrição para pessoas com deficiência visual. No entanto, a simples inclusão não é sinônimo de atendimento às necessidades comunicacionais dessa população, como evidenciam pesquisas realizadas no Laboratório de Tradução Audiovisual e Língua de Sinais (Latravilis) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Uma dessas pesquisas avaliou se as janelas de Libras em produções audiovisuais de três gêneros - cinematográfico (comédia), jornalístico televisivo e videoaula - são adequadas no que diz respeito ao formato, ao tamanho e à textura (fundo da tela), a partir de questionários virtuais bilíngues (em Língua Portuguesa e Libras) respondidos por 168 pessoas surdas, jovens e adultas.

O questionário abordou cinco variações de janelas para cada um dos três gêneros. As propostas de janelas mantiveram quatro opções padrões: as três primeiras envolveram critérios propostos pela norma NBR 15.290/05, da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT (https://bit.ly/3ecWRK5) -, que determina que a largura da janela deve ocupar, no mínimo, um quarto de tela, independentemente do produto audiovisual. As opções foram: 1) janela com fundo branco; 2) janela translúcida; ou 3) sem janela. 

Já a quarta opção envolveu critérios do Guia de Produções Audiovisuais Acessíveis (https://bit.ly/3edGu02), proposto pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura especificamente para o cinema, que adota a técnica Picture-in-Picture (PIP), separando, em espaços distintos, a produção audiovisual e a tradução, ao posicionar o espaço de Libras no canto inferior direito, em tela menor.

Por fim, para cada gênero, houve uma quinta opção exclusiva, chamada de proposição mercadológica, que já circulou no mercado audiovisual, mas não corresponde ao que pede as normas vigentes. Para a escolha da quinta proposta de janela para cada gênero, foi realizada uma ampla pesquisa em bancos de vídeos da Internet (em plataformas como Facebook e YouTube, por exemplo), a fim de identificar a maior recorrência em cada gênero.

No caso do gênero cinematográfico, esta quinta opção se caracterizou por ter múltiplos tradutores em tela para cada personagem da produção audiovisual, e as janelas aparecem e somem de acordo com os personagens em tela.

Para o gênero videoaula, a proposição mercadológica foi a escolha por uma janela maior, que ocupa metade da tela do vídeo. Enfim, para o gênero jornalístico televisivo, a quinta opção apresentou uma forma redonda da janela com fundo branco chapado, no mesmo tamanho da NBR 15.290/05 - proposta já utilizada em vídeos institucionais de propaganda eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições de 2018.

Os resultados revelaram descompasso entre as normas vigentes e as reais necessidades e preferências da comunidade surda, como detalhado a seguir.
A pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi liderada por Marcus Vinicius Batista Nascimento, docente do Departamento de Psicologia (DPsi) atuante no curso de Bacharelado em Tradução e Interpretação em Libras/Língua Portuguesa (TILSP) da UFSCar e coordenador do Latravilis. 

O questionário, que circulou na comunidade surda por meio das redes sociais, foi desenvolvido por Nascimento, juntamente com Rimar Ramalho Segala, docente surdo do DPsi; Rodrigo Vecchio Fornari, técnico de Audiovisual do Departamento; e Anderson da Silva Marques e Joyce de Souza, intérpretes e tradutores do setor de Tradução e Interpretação da Língua de Sinais da UFSCar.

Resultados

A pesquisa realizada mostrou que a preferência por determinada janela de Libras se altera de acordo com o gênero audiovisual, indicando de saída um problema no que determina a ABNT.

Em relação ao gênero cinematográfico, a proposta mais votada positivamente foi a mercadológica, em que há um tradutor para cada personagem; a janela proposta pelo Guia do Ministério da Cultura não teve avaliação positiva justamente para este gênero, mas, curiosamente, foi a mais bem avaliada para o gênero jornalístico televisivo. Para o caso de conteúdos televisivos, o Guia recomenda utilizar a NBR 15.290/05 da ABNT - o que, portanto, não condiz com a percepção evidenciada na pesquisa. Para o gênero videoaula, a proposta de janela mais bem votada também foi a mercadológica.

"As variações da ABNT, que costumam ser adotadas em diferentes produções audiovisuais, com janelas com fundo branco, translúcidas ou transparentes, não receberam avaliação tão positiva em nenhum dos três gêneros propostos. A janela com fundo branco foi a que recebeu a pior avaliação em todos os gêneros", relata Nascimento. 

Com base nos resultados, o pesquisador destaca a necessidade de considerar as pessoas surdas como consumidoras da cultura audiovisual no Brasil e, assim, como interlocutoras. "Os dados encontrados nos dão algumas pistas. É provável que essas normativas estejam sendo propostas, ainda que com bases em pesquisas e estudos, sem uma quantidade suficiente de testes de usabilidade", registra o pesquisador.

"O que é mais confortável para o surdo? A janela de Libras do lado direito ou esquerdo? Qual o tamanho ideal? Estamos, agora, iniciando essas pesquisas, e esses questionamentos são essenciais para pensarmos na acessibilidade da comunidade surda ao mundo audiovisual, já que existem percepções da Língua, do modo de ser e de estar no mundo, que só o próprio surdo pode dizer e sentir", pondera Nascimento.

Acessibilidade e pertencimento

Nesta direção, ao entender as demandas da comunidade surda, constrói-se um caminho de pesquisa que impacta na produção de novas políticas públicas na área. "Quando a Ciência comprova algo, em um cenário político favorável é possível absorver essas comprovações e colocá-las em prática para determinados grupos", defende o pesquisador da UFSCar.

Nascimento também afirma que as janelas de Libras vão além de um recurso de acessibilidade para a população surda. "Trata-se de um elemento central para o consumo da cultural audiovisual brasileira. Nesse sentido, a inserção da janela de Libras em produções audiovisuais apenas como ‘cumprimento legal’ vai na contramão dos direitos linguísticos conquistados pela comunidade surda ao longo dos últimos 20 anos."

Em outras palavras, as janelas de Libras permitem que as pessoas surdas falantes dessa língua se sintam pertencentes à sociedade por poderem ter acesso, nas mesmas condições de outras pessoas, ao jornalismo, ao entretenimento e à cultura transmitida em plataformas audiovisuais.

"É essencial enxergarmos as pessoas que necessitam e as que não necessitam de acessibilidade como um só público. Por isso, torna-se imprescindível ter os recursos - legenda para pessoas surdas e ensurdecidas, audiodescrição e janela de Libras - junto à produção sem nenhum recurso. O pressuposto é que uma pessoa com deficiência e uma sem deficiência consumam a mesma obra audiovisual, no mesmo espaço", reforça Nascimento.

O pesquisador ressalta outros dois desafios importantes nesse cenário: pensar em políticas públicas efetivas na área, que sejam executadas por órgãos públicos, e formar profissionais para atuarem com qualidade.

"Para pensarmos em políticas públicas, nós precisamos de pesquisas nesta área tão recente, e isso é o que fazemos na UFSCar, assim como a formação de profissionais; desde 2015, com o TILSP, temos a missão de garantir a qualidade na formação de intérpretes e tradutores de Libras, sobretudo para atuarem em diferentes contextos sociais e saberem lidar com as diferentes semioses dos gêneros audiovisuais nos processos de tradução e interpretação. Este é o caminho para a verdadeira inclusão dessa comunidade no cenário audiovisual", conclui o docente.

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Os estudos de Nascimento foram divulgados em artigos científicos. O primeiro, intitulado "Consumo da cultura audiovisual por surdos: perfil sociolinguístico e questões para planejamento de políticas linguísticas e de tradução" (https://bit.ly/3AWJ6sD), está disponível para leitura na Revista Travessias Interativas. Já o segundo, "Tradução e pesquisa: o uso de questionário bilíngue para o mapeamento da usabilidade e preferência de janelas de libras na comunidade surda" (https://bit.ly/3r6XM47), publicado pela Revista Gragoatá, tem como autores, além de Nascimento, Segala e Fornari.

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